faz tempo que eu queria publicar algum texto aqui, mas não conseguia porque - na minha cabeça derretida - parecia que eu tinha que escrever umas coisas menos bestas, pelo menos levemente elaboradas, como se este espaço fosse uma divisão acima do instagram, uma espécie de série A e série B do campeonato de textões e conteúdos das redes sociais.
mas hoje é meu aniversário, data boa pra começos em geral e para mandar as elaborações aos caralhos - ou às cucuias, fica a gosto do freguês.
dito isto, este é basicamente um texto inaugural para pontuar dois pensamentos recorrentes que tenho a cada vez que meu ano pessoal vira.
desde que escrevi e publiquei meu primeiro livro penso que passei a vida todinha querendo isso e me sentindo tão incapaz quanto insuficiente. ainda me sinto, nada mudou nesse quesito - na verdade, mudou que hoje tenho menos coragem do que antes - mas agora escrevo mesmo assim. escrevo porque (além dos contratos que já tenho assinados), sendo eu uma pessoa sem deus fixo e sem religião alguma, talvez seja essa a única fé que tenho na vida. a fé nos livros e no seu entorno. também tenho fé no amor, não vou mentir aqui com medo de parecer molenga e barata, acredito no amor acima de todas as coisas. e na safadeza, muita fé na safadeza, não posso esquecer desse detalhe.
o vinte e três de fevereiro também é um dia em que morro de saudade do meu pai. perder um pai como o que eu tive é andar na rua vendo um buraco no chão toda hora. toda hora. me distraio às vezes, claro, mas o buraco tá ali e quando vejo de novo é um susto grande, de tropeçar e quase cair. sinto falta dele tão banalmente quanto colocar sal na comida, mas no dia do meu aniversário é pior, porque aquele homem era uma bomba atômica de amor. era uma hiroshima ao contrário, um ursinho carinhoso terrorista. então imagine aí meu desespero num dia como hoje. é por isso que escrevo.
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faz meses que ouço esta música da martha wainwright com uma frequência doentia. you bloody mother fucking asshole. oh, you bloody mother fucking asshole. oh, you bloody mother fucking asshole. uma espécie de bob dylan com mais motivos para estar com raiva.
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então é isso, textinho rápido, nem parece que doeu. viva minha newsletter primogênita. estou em bangkok, são 10:04 aqui, 03:04 em londres, 00:04 em fortaleza. um homem tailandês leu meu tarô, minhas mãos e meus olhos no meio da rua, teve que falar minha sorte num microfone porque atrás dele tinha outro tailandês roqueiro tocando led zeppelin para metade do bairro ouvir, o do tarô disse que sou uma pessoa boa (sei lá o que isso significa) e gentil (sou mesmo) e que serei muito rica (por mim tudo bem). pedi datas, ele disse que por volta dos 45 anos, mas que os 53 é que serão bons mesmo. ficarei no aguardo. uma certeza que tenho na vida é que, quando acordar, minha mãe vai orar por mim hoje como faz todo santo dia, sem falhar um, depois vai me mandar mensagem dizendo que orou, vai me desejar felicidades, bençãos e proteção e, dessa vez, eu não vou conseguir disfarçar que, mesmo que eu tenha sólidas dúvidas sobre divindades em geral, gosto de rituais e a oração dela é uma das coisas mais bonitas da natureza e da civilização. estou indo ver o budha de ouro daqui a pouco, parece enorme, e os deuses têm mesmo essa mania de grandeza. meu pai está morto mas também está vivinho, enchendo o chão de buracos. tenho os livros. tenho a promessa do homem do tarô. amor e safadeza. tá bom demais. อาเมน e อาเมน.
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* é possível que os textos desta meio capenga newsletter saiam aos domingos, pois meu dia preferido da semana, mas não me comprometo com frequência agora. tenho dois livros pra escrever.
**foto: vi no pinterest, sem autoria.
Feliz aniversário! 🎊 e que texto inaugural 🙌🏽👏🏽
Ter fé nos livros, no amor e na safadeza. Amém! Feliz aniversário. ❤️🔥